Cass R. Sunstein explora como sorte, narrativa e acaso moldam o reconhecimento cultural muito além do talento individual
Por que algumas pessoas se tornam ícones e outras, igualmente talentosas, desaparecem no anonimato? Essa é a pergunta central de Como ser famoso, novo livro de Cass R. Sunstein, professor da Universidade de Harvard, autor de best-sellers como Nudge e Ruído, e o jurista mais citado do mundo. Lançada no Brasil pela Editora Vestígio, a obra investiga os mecanismos imprevisíveis que determinam quem entra para o panteão da cultura popular — e quem se torna nota de rodapé.
Com uma escrita provocadora, Sunstein apresenta casos emblemáticos como o da compositora Connie Converse, que gravou canções folk nos anos 1950 e sumiu misteriosamente em 1974, sem nunca alcançar o reconhecimento merecido. Décadas depois, seu trabalho foi redescoberto por acaso. Já Bob Dylan, que surgiu na mesma época, recebeu uma crítica entusiasmada no New York Times e alavancou uma carreira que o levaria ao Prêmio Nobel de Literatura. Ambos tinham talento — o que os diferenciou foi a exposição, o contexto e o acaso.
Quando a sorte entra em cena
Longe de prometer fórmulas de sucesso, Como ser famoso desconstrói a ideia do “gênio solitário” e apresenta uma visão mais realista — e por vezes desconcertante — sobre o que define o prestígio. Sunstein articula evidências empíricas, estudos de psicologia comportamental e casos reais para argumentar que fatores aleatórios, como estar no lugar certo na hora certa, ter um contato-chave ou até sofrer um revés inesperado, são muitas vezes decisivos para a fama.
Um exemplo simbólico citado no livro é o da Mona Lisa. A pintura de Leonardo da Vinci não era a mais famosa do mundo até ser roubada do Louvre em 1911. O episódio, amplamente noticiado, elevou a obra a um patamar de interesse global, mais pela história fora da tela do que pela técnica artística em si.
Outra narrativa marcante envolve Muhammad Ali, que só conheceu o boxe após ter sua bicicleta roubada aos 12 anos. O policial que registrou a ocorrência era treinador de boxe nas horas vagas e o apresentou ao esporte. Um simples incidente deu origem a um dos maiores atletas da história.
Dados, vieses e o papel da narrativa
Para embasar suas reflexões, Sunstein cita estudos que demonstram o poder da narrativa sobre a razão. Um deles envolveu mais de 1.300 pessoas, que avaliaram o sucesso de empresas fictícias com base em perfis de fundadores — ora com diploma universitário, ora não. Mesmo sabendo que os exemplos eram enviesados, os participantes mudaram suas apostas conforme os detalhes das histórias, reforçando como narrativas moldam decisões.
Ele também recorre ao trabalho de Dean Keith Simonton, psicólogo que estudou mais de 2.000 filósofos. Mesmo com variáveis como inteligência e ousadia, 80% da variação na fama permaneceu sem explicação — apontando para a força dos elementos aleatórios.
Sunstein critica ainda a “seleção pela variável dependente”, método comum em livros de negócios que analisam apenas os vencedores. Segundo o autor, esse viés reforça a ilusão meritocrática ao ignorar os milhares de fracassos semelhantes que nunca ganharam visibilidade.

Uma leitura que desmistifica o sucesso
A obra de Cass Sunstein não oferece atalhos, mas clareza. Ao revelar os bastidores imprevisíveis da fama, Como ser famoso propõe uma revisão crítica sobre nossas certezas culturais. Afinal, quantos nomes deixaram de ser celebrados simplesmente por não terem cruzado o caminho certo, com as conexões certas, no momento certo?
“Estamos falando de criar transparência onde havia opacidade, inteligência onde predominava a intuição, e métricas objetivas para um campo historicamente informal”, afirma o autor, em um trecho que resume o espírito da obra. Como ser famoso é um convite para repensar o que valorizamos, como construímos mitos e o quanto ainda somos reféns do acaso, mesmo em tempos de algoritmos e hiperconectividade.
Sobre o autor
Cass R. Sunstein ocupa atualmente a cátedra Robert Walmsley de Professor Universitário em Harvard, o mais alto título acadêmico da instituição. Fundador e diretor do Programa de Economia Comportamental e Políticas Públicas da Faculdade de Direito de Harvard, é o autor jurídico mais citado do mundo.
Entre 2009 e 2012, foi administrador do Escritório de Informações e Assuntos Regulatórios da Casa Branca. Atuou também no Conselho de Revisão Presidencial sobre Tecnologias de Inteligência e Comunicação, e no Conselho de Inovação em Defesa do Pentágono. Em 2020, foi nomeado presidente do grupo técnico consultivo da Organização Mundial da Saúde sobre ciências comportamentais aplicadas à saúde pública.
Consultor de instituições como ONU, Comissão Europeia, Banco Mundial e diversos governos nacionais, Sunstein também colaborou com a Behavioural Insights Team no Reino Unido. É autor de centenas de artigos e de dezenas de livros traduzidos em mais de 30 idiomas.