Às vésperas do mês em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, uma data que antes era marcada por gestos simbólicos, como o ato de presentear com rosas, hoje se torna um espaço essencial para ampliar e aprofundar o debate sobre equidade de gênero e os avanços femininos no mundo corporativo.
O avanço da presença feminina na liderança é um tema recorrente, mas ainda longe de ser superado. O crescimento no número de mulheres em cargos de chefia tem sido gradual, e os desafios para a igualdade de gênero no topo das organizações continuam exigindo mudanças culturais, para alterar estruturas sociais há muito consolidadas.
De acordo com o relatório “Women in Business 2024”, da Grant Thornton, as mulheres ocupam 33% dos cargos de liderança sênior no mundo. No Brasil, esse percentual é de 38,8%, acima da média global e do G20, que é de 30,58%. Apesar desse avanço, a disparidade ainda é evidente em cargos de presidência: apenas 17% das empresas brasileiras têm uma mulher como CEO.
Estudos como os da McKinsey & Company mostram que empresas com maior diversidade de gênero em sua liderança têm 25% mais chances de obter retornos financeiros acima da média. Além disso, um levantamento recente apontou que lideranças femininas tendem a ser melhor avaliadas por suas equipes, sendo percebidas como mais colaborativas, empáticas e eficazes na gestão de crises. Mas afinal, se há tantas evidências de que empresas lideradas por mulheres apresentam melhores resultados, por que elas ainda são minoria nos cargos de decisão?
Impactos do retrocesso nas políticas de diversidade
Esse cenário se agrava quando políticas que promovem a diversidade e a equidade de gênero são descontinuadas, como ocorre atualmente nos Estados Unidos sob a nova diretriz governamental. As recentes diretrizes do governo dos Estados Unidos sob a presidência de Donald Trump, que encerram programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) no setor público, têm gerado reflexos significativos no ambiente corporativo. Nos Estados Unidos, empresas como Google, Meta, Walmart e McDonald’s estão revisando ou descontinuando suas iniciativas de DEI, incluindo metas de equidade de gênero e igualdade salarial. Essas mudanças indicam uma tendência de redução nos esforços para promover a contratação e promoção de mulheres em cargos de liderança, potencialmente ampliando as disparidades de gênero no mercado de trabalho.
No entanto, apesar desse retrocesso, a demanda por diversidade e inclusão permanece presente na sociedade e no mercado, sugerindo que tais iniciativas podem ressurgir sob novas abordagens no futuro. Algumas das empresas adotam políticas diferenciadas, como é o caso da Arcos Dourados, controladora do Mc Donald’s no Brasil que, em solo brasileiro, já anunciou que manterá suas práticas de diversidade.
Além disso, leis como a de Igualdade Salarial (Lei 14.611/2023) e incentivos para conselhos administrativos mais diversos, vêm pressionando as companhias a adotarem práticas mais inclusivas. Empresas como Itaú, Natura e Magazine Luiza já implementam políticas de equidade salarial e programas específicos para o desenvolvimento de mulheres na liderança.
Porém, apesar do ambiente favorável à ascensão feminina no Brasil, diante do contexto internacional, é importante manter o alerta para o risco de ações veladas que retardem ou paralisem os avanços necessários e os já conquistados.
As barreiras da dupla jornada, da falta de confiança e inabilidade em comunicação de liderança
Muitas mulheres ainda enfrentam dificuldades para equilibrar carreira e vida pessoal, especialmente devido à falta de políticas empresariais voltadas para a parentalidade e para a divisão de responsabilidades domésticas. Além disso, a cultura corporativa historicamente masculina e os vieses inconscientes contribuem para a sub-representação feminina em cargos de liderança. Muitas vezes, as mulheres são avaliadas de maneira mais crítica em relação ao seu estilo de comunicação, enfrentando estereótipos que podem minar a sua confiança e limitar oportunidades de ascensão.
Para reverter esse cenário, é essencial que as organizações implementem programas de desenvolvimento focados em habilidades de comunicação e liderança para mulheres, promovam mentorias e criem ambientes que valorizem a diversidade de estilos comunicativos. A mudança cultural nas empresas é imprescindível para os avanços propostos. A mudança, no entanto, já acontece e é gradual. Grandes corporações investem cada vez mais em programas de mentoria, treinamentos sobre vieses inconscientes e práticas de recrutamento que ampliam a diversidade.
O “degrau quebrado” e o “dream gap”
Existem ainda dois fenômenos cruciais nas jornadas femininas que precisam ser tratados com atenção. O “degrau quebrado,” que é reconhecido como uma fase crítica na carreira, em que muitas mulheres, independente do grupo ao qual pertencem, veem suas chances de promoção estagnarem. Diante disso, é necessário que empresas estejam atentas não somente à atração, retenção e ascensão de mulheres em seus quadros, como incluam este olhar nos planos de carreira propostos para mulheres.
O segundo, e até mais impactante, é o “dream gap”, ou a falta de referência em lideranças femininas para inspirar as futuras gerações. A visibilidade de mulheres em cargos de alto nível contribui para esta quebra de paradigmas e cria referências para novas gerações de líderes mulheres.
A exceção que precisa virar regra
Diante de tantos dados relevantes e resultados expressivos, para além da questão social propriamente dita, a pergunta que fica é: o que mais pode ser feito para que a liderança feminina seja a norma, e não a exceção? O avanço é real, mas ainda há um longo caminho a percorrer, para garantir que mais mulheres tenham oportunidades reais de alcançarem e se manterem em lugares de expressividade e alta liderança.
Transformar a liderança feminina em norma e não exceção exige um esforço coletivo. Empresas, governos e a sociedade precisam não apenas reconhecer essa necessidade, mas agir ativamente para garantir que o potencial feminino não encontre mais barreiras intransponíveis. Afinal, equidade não é um favor, é uma questão de inteligência estratégica e progresso sustentável.

Letícia de Freitas e Castro
Jornalista, empresária e Mentora de Comunicação Autêntica para Líderes.