Não há evidências de que produtos de compensação de carbono ofertados pelas empresas contribuem efetivamente para o enfrentamento da emergência climática
Nesta quinta (23), o Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) protocolou no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, interpelações judiciais contra a Gol Linhas Aéreas, companhia aérea brasileira, e a Localiza, que trabalha com aluguel de carros, gestão de frotas, venda de veículos seminovos e franchising.
Suspeita-se que essas empresas estão praticando greenwashing: consumidores estariam pagando a mais pela compensação das emissões de sua atividade (um voo ou o aluguel de um carro), buscando fazer o bem para o planeta. No entanto, não há evidências de que este produto (a compensação de carbono) efetivamente contribui para o enfrentamento da emergência climática ao qual se propõe.
Acesse aqui as interpelações completas. Os protocolos que devem ser inseridos são 10076336520258260100 (Gol) e 10076059720258260100 (Localiza)
No caso da Gol, o programa analisado foi o #MeuVooCompensa, e alguns dos questionamentos levantados são: “Quais os métodos e critérios empregados para calcular as emissões de gases de efeito estufa supostamente compensadas pela adesão ao Programa?”; “Quais os métodos e critérios empregados para calcular o valor a ser pago pelo consumidor para supostamente compensar a emissão de gases de efeito no trecho percorrido?”, “Quais os projetos de compensação aos quais correspondem os créditos do programa?”; “Como são medidos seus resultados?” e “Quais os resultados do programa até hoje?”.
Já em se tratando da Localiza, foram avaliados dois projetos. Quanto ao Neutraliza, as perguntas levantadas são: “qual é a correlação entre o valor pago pelo consumidor e a quilometragem rodada, por exemplo, que tem impacto direto no volume total de emissões resultante da locação?” e “quais são os projetos de compensação via compra de créditos de carbonos (ou de outra natureza) nos quais o Neutraliza investe?”. Sobre o Compromisso com o Clima, os questionamentos são: “quais são os projetos apoiados pelo programa?”, “quais os critérios utilizados pelo programa na seleção de projetos que geram crédito de carbono?” e “quais os resultados alcançados pelo programa?”
“Nosso objetivo com esses questionamentos é garantir aos consumidores a transparência a qual eles têm direito, mas que as empresas vêm negando a eles. Nenhuma das duas traz em suas políticas informações tão básicas, o que nos acende um alerta. Vivemos um momento crítico, em que a sobrevivência da nossa e das outras espécies está ameaçada, e, por isso, as pessoas querem fazer a sua parte, mas para isso precisam de informação clara e adequada, não de falsas soluções. Esperamos que esse mesmo alerta comece a acender para todos ao verem programas desse tipo: que prometem muitos resultados, mas não explicam claramente como vão entregá-los”, afirma Julia Catão Dias, coordenadora do programa de Consumo Sustentável do Idec.
Possíveis violações
Alguns dos possíveis artigos da Constituição Federal e do Código de Defesa do Consumidor que podem estar sendo feridos são:
No âmbito da Constituição Federal
- art. 170, V e VI: ordem econômica deve assegurar defesa do consumidor e do meio ambiente;
- art. 225: direito ao meio ambiente equilibrado.
No âmbito do Código de Defesa de Consumidores
Princípios
- art. 4, III: da compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico;
- art. 4, IX: princípio do fomento de ações direcionadas à educação financeira e ambiental dos consumidores.
Direitos básicos de consumidores
- art. 6, II: a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações
- art. 6, III: a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
- art. 6, V: a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
Da proibição da publicidade enganosa ou abusiva
- Art. 37 e §§, do CDC: “Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
- § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
- § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.”
Greenwashing pelo mundo
Em linhas gerais, o greenwashing pode ser entendido como toda prática ou afirmação ambiental enganosa ou abusiva, que, por meio de referências verbais ou não-verbais destaque benefícios, melhorias, aperfeiçoamentos, ou quaisquer características de determinados bens e serviços, com o objetivo de induzir o consumidor a acreditar nos efeitos positivos (ou não negativos) do seu consumo para o meio ambiente.
Com o caso do Idec contra a Gol e a Localiza, é a primeira vez, no Brasil, que empresas são interpeladas para explicarem como os seus produtos de compensação de gases do efeito estufa estão alinhados e possuem verossimilhança com as alegações de sustentabilidade que são feitas sobre eles, porém esta prática já vem sendo questionada em Tribunais mundo afora.
Em março de 2024, por exemplo, a justiça holandesa condenou a companhia aérea KLM por greenwashing. O juiz determinou que as alegações da empresa, sugerindo que voar pode ser ou está se tornando sustentável, bem como a publicidade sugerindo que seus produtos de “compensação” reduzem ou compensam o impacto climático do voo, são enganosas, e, portanto, ilegais.
Pelo mesmo motivo, em 2024, a Comissão Europeia e as autoridades de defesa do consumidor da União Europeia notificaram 20 companhias aéreas sobre as suas alegações ambientais potencialmente enganosas, dando um prazo de 30 dias para que adequassem suas práticas à legislação de defesa do consumidor da UE.
O que é uma interpelação judicial?
Em síntese, a interpelação judicial é uma forma de comunicar a outra parte sobre fatos jurídicos relevantes que possam vir a demandar a obrigação de fazer ou não algo que o interpelante entende ser seu direito. Neste caso, o Idec entende que as empresas Gol e Localiza devem fornecer aos seus consumidores informações claras e confiáveis sobre os seus produtos de compensação de gases do efeito estufa. Sem essas informações, estariam praticando greenwashing.
O trâmite é o seguinte: uma petição é direcionada ao juiz competente, na qual o Idec apresenta todos os fatos e fundamentos do pedido, além de indicar o que deseja comunicar e perguntar às empresas interpeladas. Recebida a petição inicial, o juiz poderá deferir ou indeferir o pedido.
Em caso de deferimento, o magistrado enviará para as empresas os questionamentos do Idec, que podem ou não ser respondidos, dentro do prazo legal de 15 dias, a contar da ciência do teor da interpelação.
Caso as empresas não respondam, a ausência de resposta subsidiará a tomada de medidas judiciais pelo Idec.
>>> Acesse aqui o fact sheet, com mais detalhes sobre as interpelações